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UM LAILA NEM PIOR, NEM MELHOR, MAS DIFERENTE.





 Esse texto provavelmente será parcial e, sinceramente, não me importa que seja. O que contarei aqui, com total certeza, estará mergulhado de emoções frutos de dezoito anos de história. 

Essa é a primeira vez que escrevo algo público de maneira tão íntima. Minha relação com meu avô nunca foi pública. Ou melhor, a vida do meu avô nunca foi pública. Talvez você se surpreenda com minha afirmação anterior, mas poucos de fato conheciam o Luiz Fernando. 

Conhecido como Laíla, o apelido teve origem no seu apreço por laranja. Ainda muito novo, quando pedia pela fruta acabava por dizer “laíla” em vez do nome correto. A partir daí, os familiares começaram a chamá-lo pelo nome carinhoso. 

Nascido e criado no morro do Salgueiro, de família pobre, criado por tia e trabalhador desde criança. Limpava chiqueiro, subia e descia morro com sacola nas costas e torcia para fazer 14 anos para ter um emprego de carteira assinada. 

Revolucionário desde novo, por volta dos sete anos, fundou uma das primeiras escolas de samba mirim: a “Independentes da Ladeira”, na qual comandou a bateria durante vários anos. A agremiação desfilava pelas ruas Francisco Graça, General Rocca e na Praça Saens Pena. 

Para arcar com as despesas, os integrantes da escola pediam doações em dinheiro – principalmente para comprar os instrumentos da bateria, os quais muitas vezes eram feitos pelos próprios participantes da escola (como tambores de lata). 

Aos 10 anos, levado pela mãe, destaque da pequena escola de samba da Tijuca “Depois Eu digo”, ingressou no Grêmio Recreativo e Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, onde, três anos depois, passou a atuar na bateria. 

Aos 14 anos ingressou na Ala dos Compositores do Salgueiro. Inicialmente, as letras dos sambas enredos eram escritas em papel de pão – que os moradores do morro juntavam para ajudar a agremiação ainda iniciante. Os papéis eram cortados em formato retangular e levados pelos integrantes para as pastoras ensaiarem. 

Apesar de empenhado e esforçado nos assuntos relacionados a sua escola de coração, a agremiação ainda não era fonte de renda. De família humilde, portanto, o futuro diretor de carnaval trabalhava para ajudar com as despesas da casa. 

O menino alternava entre Salgueiro, estudo e trabalho na fábrica – que me lembro de ouvi-lo contar sorrindo de quando o conquistou. Foi em meio a esse turbilhão que conheceu sua esposa, minha avó Lili. Casados por 57 anos, conquistaram coisas inimagináveis para um jovem preto de periferia. 

Pai de dois filhos, avô de três netos e bisavô de gêmeos. Durante sua juventude, a família morou em uma pequena casa de pau a pique com apenas três cômodos: sala, quarto e cozinha. Para todo o resto que faltava, como banheiro e tanque, era preciso torcer pela solidariedade alheia. 

Infelizmente, dou um pause por aqui, pois já me prolonguei demais. Entretanto, eu poderia enumerar por horas as superações da criança, do jovem, do adulto e do “vovô” Laíla. Fui lembrando-me e a saudade me deixou flutuar pelas histórias que tanto ouvi serem contadas com orgulho e sorriso no rosto. Sim, sorriso no rosto. 

Como eu disse, a vida do meu avô nunca foi – verdadeiramente – exposta. Aquele homem sisudo, mal humorado e arrogante nunca existiu. Entre na quadra das escolas que ele passou e veja o amor que emana por ele. Seria no mínimo estranho alguém com tais qualidades ser tão querido. 

A vida nunca permitiu que um homem como ele tivesse o riso frouxo. Sorriso é para quem merece e para quem eu confio (assim eu aprendi, talvez por isso eu não seja de tantos sorrisos). Sorriso é para família e amigos de verdade. Com a cor da pele que tinha e do lugar de onde veio, manter o sorriso no rosto nunca foi fácil. 

Para receber respeito, para ser valorizado e para ter os seus direitos foi preciso “postura” e mais que o dobro de esforço. Ser preto no Brasil pede que você seja mais que os outros para mesmo assim receber menos (eu poderia escrever inúmeras linhas sobre essa desvalorização mas deixo para outra hora). 

A mídia mostra uma parte. E posso dizer, como futura jornalista e neta, uma parte bem pequena de uma vida imensa. Foram 78 anos de história, mais de 60 de Carnaval. Escrevi todos esses 15 parágrafos para humanizar a figura de um cara foda. De um carnavalesco impecável, de um cantor incrível e de um diretor competente e apaixonado. Mas também de um avô protetor, de um pai preocupado e de um marido dedicado. 

Se eu pudesse voltar atrás, teria falado mais de você. Agora percebo o quanto era necessário gritar nossas raízes. Não me arrependo de nada que fiz quando estava contigo, mas sem dúvidas sinto saudades. Mas, acima de tudo, sinto orgulho. 

São momentos difíceis, mas levo para vida o que você mesmo disse, enquanto eu segurava o celular para gravar seu agradecimento pelas mensagens de seus 78° aniversário: “Quem é filho de Xangô nunca é derrotado, com Ogum junto fica ainda mais difícil”.

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Caroline Rocha é aluna de Jornalismo na Faculdade de Comunicação Social da UERJ. E-mail: carolinerrocha66@gmail.com

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